Justiça cassa decisão que favoreceu ex-secretário que furou fila da vacina
Assis Silva Filho usou o cargo de secretário de Saúde de Pires do Rio, em Goiás, para se vacinar contra a Covid-19 e ordenar a vacinação da esposa
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) cassou decisão que dispensou, temporariamente, o ex-secretário municipal de Saúde de Pires do Rio, a 146 quilômetros de Goiânia, da obrigação de prestação de serviços à comunidade em um hospital, após furar fila da vacinação da Covid-19, enquanto ainda estava no cargo.
Em janeiro, de acordo com o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), Assis Silva Filho usou a influência que tinha no cargo para se vacinar contra a Covid-19 e ordenar a vacinação da esposa, a quem se refere como “a mulher da vida dele”.
O ato de furar fila, segundo o MPGO, prejudicou idosos acima de 80 anos de idade que eram a prioridade em janeiro deste ano, período em que os três foram vacinados, indevidamente.
A obrigação de prestação de serviços comunitários havia sido fixada em acordo de não persecução penal, firmado pelo ex-secretário com o MPGO, conforme proposta feita pelo promotor de Justiça Marcelo Borges Amaral, da 1ª Promotoria de Pires do Rio. A outra medida prevista no acordo, o pagamento de R$ 50 mil, já foi cumprida pelo ex-gestor.
Acordo
O acordo foi celebrado com objetivo de antecipar a aplicação da pena ao ex-secretário em processo no qual era investigado pelo crime de concussão, por ter desrespeitado a fila oficial de vacinação contra a Covid-19. Ele também foi investigado por obrigar funcionários da saúde a vacinar a esposa dele, a si próprio e a um amigo da família.
Com a decisão do tribunal, o ex-secretário volta a ser obrigado a cumprir o acordo na parte restante, sob pena de rescisão e oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público.
No recurso ao TJGO, interposto pelo promotor Marcelo Borges Amaral, o MPGO questionou o fato de a decisão do juiz de primeiro grau ter liberado o ex-secretário do cumprimento de uma obrigação que foi fixada em acordo.
O promotor sustentou que a condição estabelecida no acordo não é pena, mas, sim, condição discutida, negociada e aceita pelo acordante em conjunto com o Ministério Público. Assim, foi ponderado que o juiz não poderia, depois de homologado o acordo, substituir a vontade do MP e alterar uma das cláusulas da negociação.
Contradição
O MP também alegou que o ex-secretário adotou um comportamento contraditório, “repudiado pelo ordenamento jurídico”, pois, conforme acrescentou, concordou livremente com as condições.
De acordo com o Ministério Público, o ex-secretário iniciou o cumprimento das medidas e, posteriormente, tentou se aproveitar de uma “brecha administrativa” destinada a pessoas condenadas. No caso, um decreto do TJGO suspendeu o cumprimento de penas de prestação de serviços.
Os integrantes da 2ª Câmara Criminal do TJGO acataram o voto do relator do processo. Eles entenderam que o Poder Judiciário não deve interferir na atividade administrativa do Ministério Público na realização de acordos.
A manifestação do MP em segundo grau foi feita pela procuradora de Justiça Joana D’Arc Corrêa da Silva Oliveira, que seguiu as razões apresentadas pelo promotor de Justiça.
Desrespeito
O procedimento investigatório para apurar a conduta do ex-secretário foi instaurado pelo MP em fevereiro deste ano e concluiu pela prática do crime de concussão, por ter ele furado a fila oficial de vacinação e determinado a imunização de pessoas fora da faixa etária prioritária naquele momento, o que incluiu sua esposa e ele próprio.
A seguir, o ex-secretário confessou o fato e firmou o acordo com a promotoria, obrigando-se a pagar prestação pecuniária no valor de R$ 50 mil e a cumprir 100 horas de prestação de serviços à comunidade. O valor já foi pago.
Contudo, apesar de ter concordado com a condição, o ex-gestor pediu à Justiça a liberação do compromisso da prestação de serviços, o que foi deferido em primeiro grau e motivou o recurso do MP, agora acolhido pelo TJGO.
O Metrópoles não obteve retorno do ex-secretário de Pires do Rio.