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A importância dos limites para o desenvolvimento infantil

Por Elisa Rangel

Educar uma criança nunca foi tarefa fácil. Saber dosar o que pode e o que não pode rende pelo mundo milhares de livros, artigos, vídeos, estudos, palestras… Como não ser repressivo ou permissivo demais com o filho? Se no passado esses questionamentos já davam o que falar, nos dias atuais estão ainda mais em voga, sobretudo com o excesso de trabalho dos adultos e a consequentemente não participação deles tão costumeiramente na educação de sua prole.

Saber o momento certo, e até o tom certo, de dizer “não” para uma criança, acompanhar o seu desenvolvimento a fundo, conhecer seus sentimentos e não transferir responsabilidades, terceirizando a educação, são atitudes básicas na criação dos filhos, e que vão fazer toda a diferença lá na frente. Quando se colocam limites nos pequenos, demonstra-se uma preocupação não apenas com o presente, mas também, e principalmente, com o futuro deles.

O Pr. Josué Gonçalves, líder do Ministério Amo Família, terapeuta familiar, escritor e conferencista internacional, avalia que haveria menos problemas na sociedade se houvesse mais disciplina em casa, e destaca a frase que o Pr. Marcos de Souza Borges, o Coty, prega: “Excesso de carinho e proteção sem limites e disciplina são iguais à delinquência”.

“Acredito que, se os pais se atentassem para colocar limites nos filhos, teríamos menos alunos rebeldes nas escolas, e os policiais teriam menos problemas nas ruas, por exemplo. Uma das razões de termos hoje adultos rebeldes é porque na infância faltou disciplina. A Bíblia é bem clara sobre a importância da correção quando em Provérbios 23:13 diz: ‘Não retires a disciplina da criança’. A Bíblia diz que Deus repreende e castiga os filhos que Ele ama. Temos que agir também assim”, frisa o Pr. Josué Gonçalves.

Qual a dosagem correta dessa disciplina é o que todos querem saber, e é o que mais gera debate. Mas é consenso o pensamento de que sem regras, limites e disciplina não há educação eficaz. “Nós, pais, somos os anfitriões do mundo para as crianças. Estamos apresentando o mundo para elas. E o mundo não funciona só com ‘sim’. É preciso chegar ao equilíbrio. Se a criança for educada na permissividade, vai achar que pode tudo – por exemplo, furar fila. Mas se impuser o ‘não’ demais, pode se tornar agressiva”, alerta a pedagoga e especialista em Terapia Sistêmica Alessandra Paganoto.

“Nós, pais, somos os anfitriões do mundo para as crianças. Estamos apresentando o mundo para elas. E o mundo não funciona só com ‘sim’. É preciso chegar ao equilíbrio” Alessandra Paganoto, pedagoga

Uma das orientações essenciais que ela fornece para que se chegue ao ponto certo nessa disciplina é não deixar a criança sem entender o motivo da proibição imposta. “É importante dizer ‘não’, porém, devemos fazer com cuidado. Às vezes ele está carregado de autoritarismo. É preciso explicar para a criança o porquê dele. E isso requer dos adultos mais envolvimento, porque você vai ter que olhar para a criança e falar os argumentos”, acrescenta Alessandra.

Idade certa

E quando os pais devem começar a aplicar a disciplina? Há uma idade em que os pequenos já passam a entender a correção? A Bíblia dá várias orientações sobre isso, quando em Provérbios 29:15 cita: “É bom corrigir e disciplinar a criança. Quando todas as suas vontades são feitas, ela acaba fazendo a sua mãe passar vergonha”. E novamente em Provérbios está escrito: “Não retires a disciplina da criança”, desta vez no capítulo 23, versículo13.

A psicóloga clínica Betânia Dini afirma que, diferentemente do que muitos pensam, até os bebês já devem saber que há regras e limites. No entanto, a disciplina deve sempre ter pesos diferentes para cada faixa etária.

“A idade ideal para se começar a disciplina é desde sempre. O próprio dia a dia do bebê, com rotinas e regras, já são os primeiros limites que a gente começa a estabelecer. Há pais que acham que só porque o filho é criança não é preciso ficar corrigindo toda hora. Mas crianças não são apenas crianças. Elas são na verdade projetos de adultos. A forma como você lida com seus filhos enquanto ainda crianças é a forma com que eles vão lidar com a sociedade, com Deus, com regras”, observa.

“Acredito que, se os pais se atentassem para colocar limites nos filhos, teríamos menos alunos rebeldes nas escolas, e os policiais teriam menos problemas nas ruas, por exemplo” – Pastor Josué Gonçalves

As orientações são partilhadas pela gestora na área de tecnologia educacional Kellen Camargo Kohler, mãe de Isabela, de 10 anos, e Kauã, de 8. Casada com Luiz Arlindo Kohler, ela consta que os temperamentos dos filhos são diferente, mas a educação é a mesma.

“Deus nos deu um privilégio, que é o de criar os nossos filhos, e isso é uma grande responsabilidade porque você vai moldar o caráter deles. A criança não vai encontrar o caminho sozinha. Somos nós, como pais, que vamos ter que mostrar. E os limites vêm desde bebê. Você precisa dizer ‘não’, mostrar que está errado e que pode machucar, por exemplo, mas sempre educando com muito amor”, detalha Kellen, que congrega com a família na Igreja Adventista Espaço Novo Tempo, na Praia da Costa, em Vila Velha.

O que deve sempre ficar claro para os pais é que os filhos sempre os verão como espelho, como modelo. Desse modo, não adianta tentar ensinar a criança a não gritar, se essa instrução vem com um “não grite” em som estridente.

“Nós, pais, somos modelos para os nossos filhos. Eles nos copiam. Como é que no momento em que vamos exercer a autoridade e aplicar a disciplina nós perdemos o controle? Como vamos ensinar domínio próprio, autocontrole?”, questiona Betânia Dini.

Tempo de qualidade

Corre-corre no trabalho. Incontáveis atividades domésticas. Preparo de refeição para os filhos. Leva e traz de crianças na escola e outras aulas. Dar banho. Colocar para dormir. Se observarmos essa rotina na contagem do cronômetro, talvez muitos pais possam ser surpreendidos com uma realidade: falta tempo para educar os filhos.

O dia a dia é repleto de atividades que levam as famílias de um lado para o outro, sem parar. O ritmo acelerado faz com que sobrem compromissos, mas faltem relacionamento e tempo para conhecer, entender, educar, disciplinar. O problema é que, se um desses tópicos faltar, a corrente se quebra.

“Eu trabalho demais. Não tenho tempo para ficar brincando ou disciplinando toda hora o meu filho.” Essa é uma das principais desculpas listadas pelos pais que são confrontados com uma verdade: faltam limites no seu filho. Mas o argumento é logo derrubado quando se entende que não é quantidade de tempo que se exige, mas sim qualidade do tempo.

“Infelizmente, o cuidado das crianças foi sendo terceirizado e a compensação dos pais vem através de presentes, como brinquedos, celulares e tablets” Marinalva Antônia da Silva, psicóloga

A psicóloga Marinalva Antônia da Silva, pós-graduanda em Terapia Cognitivo Comportamental, dá um exemplo: “Tem mães que passam o dia inteiro em casa com os filhos, mas ficam o tempo todo nas atividades domésticas, e as crianças ficam soltas. Já outros pais só têm uma hora livre com o filho por dia, mas aproveitam para sentar no chão e brincar, ler com o pequeno, cantar. Há qualidade no tempo. A criança sente e vai respeitar quando tiver que ser corrigida porque aqueles pais a conhecem de fato”.

Um outro problema que pode surgir com essa distância dos pais no dia a dia é a decisão de crianças, e mais tarde dos adolescentes e jovens, de ir buscar o que precisam com pessoas que não têm bom exemplo para mostrar.

“Enquanto os pais pensam estar suprindo os filhos daquilo que eles mais precisam, dando conforto, status e bens, os filhos estão clamando por atenção, aceitação, valorização e amor. Se aquilo que eles tanto precisam e buscam não é dado em casa, buscam aprovação dos seus pares, amigos, pois querem se sentir importantes para alguém e parte de algum grupo. Passar pouco tempo de ‘qualidade’ com os filhos é melhor que nenhum tempo”, orienta o pastor Marcelo Giovenardi, que ao lado sua esposa, Briane, é fundador do Ministério SOS-Família. Eles são da Primeira Igreja Batista em Goiabeiras, em Vitória.

Educação terceirizada

Com a falta de tempo dos pais, a tarefa de dar limites e educar as crianças frequentemente recai nos ombros de instituições que não deveriam ser o foco principal dessas responsabilidades, como escolas, igrejas e até televisão e internet.

A psicóloga Alessandra Paganoto salienta: “É muito cômodo colocar o filho numa boa escola e achar que está tudo resolvido. É preciso acompanhar o desenvolvimento da criança”.

A também psicóloga Marinalva Antônia da Silva explica que cada instituição tem seu papel social na educação da criança, e são todas muito importantes, mas os ensinamentos dos pais são a base para os filhos.

“Infelizmente, o cuidado das crianças foi sendo terceirizado, e a compensação dos pais vem através de presentes, como brinquedos, celulares e tablets. Essa é uma realidade cada vez mais comum. O que mais chega aos consultórios é a falta de limites dos filhos. Muitos pais não impõem limites e depois reclamam que a criança não está aprendendo nada na igreja e na escola”, comenta.

“Deus nos deu um privilégio, que é o de criar os nossos filhos, e isso é uma grande responsabilidade porque você vai moldar o caráter deles. A criança não vai encontrar o caminho sozinha” – Kellen Camargo Kohler, com o esposo Luiz e os filhos, Isabela e Kauã

A Bíblia diz em Salmo 127:3 que os filhos são herança do Senhor e devem ser preparados como flechas para serem lançadas pelos pais no alvo. O tiro não é certeiro na primeira tentativa. É preciso muito treino, disciplina e dedicação para alcançar o objetivo. Não exercer essa responsabilidade de educação e cuidado dada por Deus é desprezar a herança que o Pai nos deu: os filhos.

Dicas para a hora da disciplina

  • Não seja tão permissivo nem tão autoritário. A dose correta é que faz a diferença. Quando impuser um “não”, explique o motivo. Fonte: Betânia Dini, Josué Gonçalves, Alessandra Paganoto e Marinalva Antônia da Silva
  • Seja coerente. Se você grita para a criança parar de gritar, ela não vai respeitar essa ordem.
  • Comece a disciplinar seu filho desde bebê, adotando rotinas e regras, como dormir no berço e ter horário para comer, brincar e dormir. Mesmo tão pequeno, ele já vai se acostumando.
  • Na hora da correção, pense em uma disciplina que atinja a criança no comportamento que ela foi intransigente. Por exemplo: se ela bagunçou o quarto, terá cinco minutos para deixar tudo arrumado. Outra orientação é suspender um passeio, cortar parte da mesada ou até a mesada toda.
  • Não corrija uma criança se você estiver irritado. É melhor deixar passar alguns minutos e esfriar a cabeça, para depois pensar no que vai fazer.
  • Um alerta: não deixe a criança de castigo trancada em um cômodo. Ela pode ter ou criar um medo, e isso é capaz de gerar mais problemas para você no futuro.
  • Existe disciplina correta/apropriada para cada faixa etária. Uma criança de 2 anos nunca vai ficar sentada por meia hora pensando no que fez de errado. Mas ela pode ficar dois minutos. A dica é aplicar os minutos de acordo com a idade.
  • Muitas crianças ficam agitadas e agressivas apenas para chamar a atenção dos pais. Então, antes de pensar em corrigir, veja se ficar com o seu filho por alguns minutos resolve.
  • Os pais devem estar sintonizados com as regras impostas em casa. O pai não pode dar uma ordem e a mãe dar outra. Se houver discordâncias, nunca mostre isso na frente da criança. Os pais devem conversar reservadamente.
  • Se a criança fica boa parte do tempo na casa dos avós, por exemplo, seja claro para os demais parentes quais são as regras da família. Assim, ela não ficará em dúvida sobre o que pode e o que não pode.
  • Com pré-adolescentes, os pais já podem fazer com que eles participem do estabelecimento das consequências da quebra da regra. Por exemplo: na hora que for sair para um passeio, o próprio filho pode dizer que tipo de punição terá se não chegar no horário combinado. Ele vai ficar atento.

Erros na educação das crianças

  • Os pais querem ser “amiguinhos” dos filhos
  • Os pais querem aceitação dos filhos.
  • Muitos pais terceirizam a responsabilidade de educar.
  • Os pais não questionam as atitudes dos seus filhos.
  • O comportamento de muitos pais não condiz com seu próprio discurso (faça o que eu digo e não faça o que eu faço)

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 238 da Revista Comunhão, de Julho de 2017. As pessoas ouvidas e/ou citadas podem não estar mais nas situações, cargos e instituições que ocupavam na época, assim como suas opiniões e os fatos narrados referem-se às circunstâncias e ao contexto de então.

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