Notícia

Menina russa faz desenho em apoio à Ucrânia, e seu pai acaba preso

Acusado de desacreditar Forças Armadas, Aleksei Moskaliov foi detido após fugir de prisão domiciliar; sua filha está sob tutela do Estado

Aleksei Moskaliov não esperou para ouvir sua sentença por “desacreditar as Forças Armadas russas” na terça-feira (28). Na Rússia de hoje, anos atrás das grades por postagens nas redes sociais pareciam o desenlace inevitável. Por isso, ele tirou sua tornozeleira de rastreamento e fugiu da prisão domiciliar, tendo sido detido nesta quinta (30).

Com a tentativa de fuga, Moskaliov, que é pai solo, deixou para trás não apenas sua casa, mas também sua filha Maria, de 13 anos –se bem que ele parecia tê-la perdido mesmo antes da leitura do veredicto. Conhecida como Macha, a menina passou o último mês em um orfanato do Estado, proibida de se comunicar com seu pai.

Horas depois de partir, Moskaliov, foi condenado por um tribunal local e sentenciado a dois anos de prisão pelas publicações que fez após as atrocidades russas cometidas em Butcha e em outras partes ocupadas da Ucrânia.

O caso vem chamando atenção nacional devido a Macha. Para defensores dos direitos humanos, a perspectiva de separação de longo prazo entre pai e filha representa um nível novo e assustador de repressão em um país onde o presidente Vladimir Putin concretamente proibiu protestos —autoritarismo que parece se intensificar a cada semana.

Outros ativistas relataram ter sido ameaçados pela polícia com a perda da guarda de seus filhos. Alguns enxergam ecos do Grande Terror da era de Stálin, quando os filhos de pessoas tachadas de “inimigas do Estado” eram separados de seus pais. Cerca de 15 mil crianças foram mandadas para orfanatos em apenas um ano desse período.

“O horror está no fato de o Estado, representado pelas autoridades tutelares, a polícia, a promotoria pública e os tribunais conscientemente e com crueldade calculada separarem pai e filha”, diz Andrei Kolesnikov, membro sênior do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. “E no sistema atual, sob Putin, não há ninguém para opor-se a isso.”

Macha foi posta sob tutela do Estado no início de março quando Moskaliov, 54, foi detido e colocado em prisão domiciliar. Segundo o advogado dele, Vladimir Bilienko, Moskaliov não pôde mais comunicar-se com sua filha desde então.

Na terça-feira, o Serviço Penitenciário Federal russo disse que Moskaliov deixou seu apartamento às 4h41, cerca de 11 horas antes de o veredicto ser anunciado na cidade de Iefremov, 240 km ao sul de Moscou. E

Moskaliov foi preso nesta quinta (30) em Minsk, capital de Belarus, país que é um dos aliados mais próximos da Rússia.

Bilienko disse que a notícia da partida de seu cliente foi um choque. “Espero que ele esteja vivo e bem”, disse o advogado em mensagem. “Por ordem do tribunal, Macha está sendo entregue às autoridades tutelares.” A mãe da adolescente deixou a família quando Macha tinha 3 anos, e não há outros parentes próximos que possam cuidar dela, explica o advogado.

O tratamento dado a Moskaliov pela Justiça deixa claro até onde as autoridades russas estão dispostas a ir para garantir que ninguém se desvie da posição do Kremlin sobre a guerra –e para castigar duramente quem o fizer.

Antes de sua prisão, Moskaliov criava aves ornamentais em seu pequeno sítio, onde também havia pavões, faisões, patos selvagens, perus e galinhas, disse ele em entrevista a um observatório russo dos direitos humanos, o OVD-Info.

Suas publicações em redes sociais russas chamaram a atenção das autoridades em abril de 2022, quando uma professora de arte da escola de Macha tentou angariar apoio às forças militares russas entre os alunos. A contribuição da adolescente foi um desenho de uma mãe e uma filha segurando uma bandeira dizendo “Glória à Ucrânia” que estava no caminho de um foguete russo. “Não à guerra”, ela acrescentou.

O diretor da escola nega ter alertado as autoridades, mas no dia seguinte, segundo o OVD-Info, Moskaliov e sua filha foram levados por policiais e por uma funcionária dos serviços de proteção à infância.

Moskaliov foi informado que investigadores haviam encontrado caricaturas de Putin e que ele estava sendo investigado por uma postagem que dizia: “O Exército russo. Os perpetradores estão perto de nós.”

Ele foi multado em 32 mil rublos, cerca de R$ 2.000, e no dia seguinte sua filha foi levada da escola por investigadores do Serviço Federal de Segurança, ou FSB, órgão sucessor da notória KGB soviética.

Moskaliov disse ao OVD-Info: “Durante três horas e meia eles ficaram me dizendo que eu estava criando a menina incorretamente. Disseram que iam tirá-la de mim e que me colocariam na prisão.” As autoridades tentaram pressionar pai e filha a apoiarem a guerra publicamente.

“Sugeriram que Macha liderasse algum tipo de time juvenil em apoio às tropas russas”, disse o pai, “mas eu recusei educadamente. Ela tem muitas aulas e atividades, não tem tempo para isso.”

Mais de meio ano mais tarde, em 30 de dezembro, segundo Moskaliov, cerca de 12 investigadores revistaram sua residência e o levaram para ser interrogado. “À tarde me deixaram trancado numa salinha por duas horas e meia, ligaram o hino russo no volume mais alto e saíram. As paredes tremiam.”

No início de março, Moskaliov foi posto em prisão domiciliar, e Macha foi colocada no orfanato.

Desde que a invasão da Ucrânia começou, em fevereiro de 2020, e que o governo deslanchou uma repressão forte à dissensão, quase 6.000 russos já foram acusados de desacreditar o Exército. A informação é do OVD-Info, que também monitora a repressão política. Mais de 2 mil dos casos envolvem comentários divulgados em redes sociais.

A maioria dos casos foi resolvida com multas, mas a reincidência pode levar a um processo criminal e uma sentença de anos de prisão. Mais de 500 pessoas já foram processadas criminalmente, algumas delas menores de idade.

Na terça-feira, quase um ano depois do desenho que deu início a tudo, o advogado de Moskaliov chegou ao tribunal para acompanhar a leitura do veredicto, levando outro desenho de Macha e uma carta dela. O recado dizia: “Pai, você é meu herói.”

GED

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo