‘Reborns’ geram polêmica no Brasil e viram alvo de projetos de lei e disputas judiciais

‘Reborns’ geram polêmica no Brasil e viram alvo de projetos de lei e disputas judiciais
O Brasil se viu mergulhado em uma polêmica inusitada neste mês de maio: a febre dos bebês reborn, bonecas hiper-realistas tratadas como filhos por adultos, saiu das redes sociais e ganhou os tribunais, os gabinetes do Congresso Nacional e os consultórios de saúde mental. O que começou como um fenômeno emocional e simbólico viralizou a ponto de gerar projetos de lei, debates acalorados e até uma ação judicial por “guarda compartilhada” de uma boneca.
Uma febre que extrapolou a internet
A viralização de vídeos mostrando mulheres levando seus bebês reborn a consultas médicas, ocupando assentos preferenciais em ônibus ou buscando atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) acendeu o pavio da indignação popular. Embora muitos desses registros não tenham sido confirmados fora do contexto digital, foram suficientes para gerar reações políticas imediatas.
A repercussão não se limitou às redes. Três projetos de lei foram apresentados em sequência na Câmara dos Deputados com o objetivo de regular ou restringir comportamentos associados aos reborns:
- O PL 2.326/2025, de autoria do deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), propõe a proibição de atendimentos médicos simulados com reborns, tanto em hospitais públicos quanto privados;
- O PL 2.320/2025, do deputado Dr. Zacharias Calil (União Brasil-GO), visa impedir o uso dos bonecos como justificativa para obtenção de benefícios sociais, incluindo assentos preferenciais e acesso a filas especiais;
- O PL 2.323/2025, da deputada Rosângela Moro (União Brasil-SP), defende a oferta de acompanhamento psicossocial a pessoas que desenvolvem vínculos afetivos com reborns.
O caso da guarda judicial em Goiás
Mas o ponto de inflexão da polêmica ocorreu quando um casal de Goiás entrou com uma ação judicial solicitando a guarda compartilhada de uma boneca reborn. Avaliada em mais de R$ 3 mil, a boneca tinha enxoval próprio, um perfil ativo nas redes sociais e era monetizada por meio de conteúdo digital.
A advogada Suzana Ferreira, responsável pelo processo, explicou: “Minha cliente buscava regulamentar o convívio com a ‘filha reborn’, dividindo os direitos com a ex-companheira”. A ação acabou ganhando repercussão nacional e deu força aos parlamentares que defendem uma legislação específica sobre o tema.
Saúde mental ou exagero?
O debate sobre os bebês reborn logo alcançou os especialistas em saúde mental. Para a psicóloga Melissa Tenório dos Santos, os vínculos criados com os bonecos podem ser compreendidos dentro de um contexto terapêutico simbólico.
“É preciso compreender que muitas mulheres que recorrem aos reborns enfrentaram perdas gestacionais, lutos ou traumas emocionais. A boneca funciona, nesses casos, como um objeto de elaboração emocional e não necessariamente como substituto da maternidade”, afirma Melissa.
Por outro lado, vozes críticas não tardaram a se manifestar. O padre Chrystian Shankar, conhecido por sua atuação na Diocese de Divinópolis (MG), se recusou publicamente a batizar reborns e foi direto: “Isso é caso de psiquiatria”. A fala provocou reações nas redes e reacendeu o debate sobre o limite entre fé, simbologia e patologização.
Um fenômeno da era digital
O crescimento da popularidade dos reborns também reflete o cenário digital do Brasil em 2025, onde redes como TikTok e Instagram funcionam como vitrines emocionais e, muitas vezes, monetárias.
Vídeos de “mães reborn” realizando rotinas maternas acumulam milhares de curtidas e seguidores, gerando engajamento suficiente para criar verdadeiros microinfluenciadores. Esse conteúdo emocional e, em alguns casos, performático, acaba se tornando combustível político.
“O que estamos vendo é a instrumentalização do afeto para fins de visibilidade — seja social, digital ou legislativa”, afirma o sociólogo Eduardo Prates, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A disputa simbólica sobre o que é real
A controvérsia dos reborns escancara dilemas típicos da sociedade contemporânea: onde termina a terapia e começa o exagero? Até que ponto uma manifestação de dor, perda ou fantasia pode ser acolhida sem julgamento ou regulamentada sem repressão?
“A ausência de políticas públicas voltadas para a saúde emocional da população faz com que práticas como essa surjam como válvulas de escape”, diz a psicóloga Melissa Tenório. “Mas a reação institucional, ao invés de acolher, tende a punir”.