PolíciaNacional

Megaoperação no Rio deixa 64 mortos e 81 presos em ofensiva contra o Comando Vermelho

Ação das polícias Civil e Militar é a mais letal registrada no estado desde 1990 e reacende debate sobre a política de segurança pública no país.

Uma megaoperação conjunta das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro deixou 64 mortos e 81 presos nesta terça-feira (28/10) durante ações de combate à facção Comando Vermelho, nos complexos do Alemão e da Penha, na capital fluminense. Entre os mortos estão quatro policiais, e há registro de agentes e moradores feridos em meio aos intensos confrontos.

A operação mobilizou 2,5 mil agentes das forças de segurança, incluindo o Comando de Operações Especiais (COE), batalhões da capital e da Região Metropolitana, além de equipes da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e de delegacias especializadas. A meta era cumprir cem mandados de prisão em uma área de nove milhões de metros quadrados.

Segundo o governador Cláudio Castro (PL), a ação foi resultado de um ano de investigação e mais de 60 dias de planejamento. Ele classificou a iniciativa como “a maior operação da história das forças de segurança do Rio de Janeiro” e afirmou que se trata de “uma ação do Estado contra narcoterroristas, pessoas que impõem o medo e o tráfico nas comunidades”. A operação faz parte da Operação Contenção, criada para conter o avanço do Comando Vermelho em áreas dominadas por facções.

Durante a ofensiva, as forças de segurança apreenderam 72 fuzis, munições e grande quantidade de drogas. Entre os presos estão lideranças importantes da facção, como Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão, e Nicolas Fernandes Soares, apontado como operador financeiro do grupo.

Os confrontos se concentraram principalmente em áreas de mata, mas houve tentativas de criminosos de bloquear vias importantes, como a Avenida Brasil, e de lançar explosivos contra policiais com drones. Criminosos também incendiaram veículos e montaram barricadas em diferentes pontos da cidade, o que levou o Centro de Operações e Resiliência (COR) a elevar o estágio operacional do Rio ao nível 2, em uma escala de 5.

Por causa da operação, o governo estadual colocou todo o efetivo policial nas ruas, suspendendo as atividades administrativas. O governador afirmou que as forças fluminenses “atuam sozinhas”, sem apoio da União. “Mais uma vez, não temos auxílio de blindados nem de agentes federais. É o Rio de Janeiro completamente sozinho”, declarou Castro, reforçando que já teve três pedidos de apoio das Forças Armadas negados.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, rebateu as declarações do governador e disse que não recebeu nenhum pedido formal para a operação. Em entrevista, afirmou que “nenhum pedido de apoio do Rio foi negado” e classificou a ação como “bastante cruenta”, lamentando o número elevado de mortes. “O combate à criminalidade se faz com planejamento, inteligência e coordenação”, afirmou o ministro.

O episódio também provocou reações institucionais. O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) encaminharam um ofício ao governo do Rio solicitando explicações sobre a alta letalidade da operação. Os órgãos pediram comprovação de que o Estado seguiu as determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) previstas na ADPF 635, que trata da redução da violência policial em comunidades.

O documento solicita informações sobre uso de câmeras corporais, presença de ambulâncias nos locais de confronto e justificativas formais para a execução da operação. O MPF e a DPU pedem também que o governo comprove que não havia “meio menos gravoso” de atingir os objetivos de segurança pública.

Em resposta, Castro afirmou que a ADPF “limitou a atuação policial” e chamou a medida de “maldita”, criticando a falta de compreensão do Judiciário sobre a realidade do crime organizado. “O colapso da segurança pública é evidente, e o Rio não pode ser refém da ideologia”, disse.

De acordo com levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), esta foi a operação mais letal registrada desde 1990 na região metropolitana. Segundo o grupo, as três ações com maior número de mortos ocorreram durante o governo Castro — a atual, a do Jacarezinho (2021), com 28 mortes, e a da Penha (2022), que deixou 23 mortos.

O Geni/UFF alerta que as chamadas “chacinas policiais” tornaram-se rotina no Rio de Janeiro. Desde 2007, foram registradas 707 operações com mortes, resultando em 2.905 civis e 31 policiais mortos. Para os pesquisadores, as ações mostram a ineficiência das políticas de enfrentamento armado, incapazes de reduzir o controle territorial de facções. “A recorrência de incursões violentas em favelas demonstra o descaso do Estado com a preservação da vida”, afirmam.

Organizações da sociedade civil também criticaram a ação. Para Isabelly Damasceno, coordenadora da ONG Movimentos, que atua em favelas do Rio, “uma operação que mata 60 pessoas não pode ser considerada inteligente ou bem-sucedida”. Segundo ela, “essas ações reforçam uma política de extermínio e desumanizam as populações periféricas”. A ativista lembrou ainda que moradores acordaram sob tiroteios e ficaram impedidos de trabalhar ou frequentar escolas.

O Comando Vermelho, alvo da operação, é a maior facção criminosa do Rio de Janeiro e uma das mais influentes do país, ao lado do Primeiro Comando da Capital (PCC). Criada na década de 1970 no presídio de Ilha Grande, a organização expandiu-se para além das prisões e consolidou-se como um poder paralelo, controlando territórios, serviços e rotas de tráfico. Atualmente, segundo investigações, o grupo mantém presença em todos os 26 estados brasileiros e até no exterior.

A megaoperação desta terça-feira, apesar de classificada pelo governo como um marco na ofensiva contra o crime organizado, reacende um debate antigo sobre os limites da ação policial e o custo humano das políticas de segurança. O episódio reforça o dilema entre o combate à criminalidade e a preservação da vida, uma discussão que segue sem consenso e que volta, mais uma vez, a colocar o Rio de Janeiro no centro da atenção nacional e internacional.

GED

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo