Cerca de 1,6 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos ainda se encontram em situação de trabalho infantil no Brasil, apesar de uma leve queda no percentual de 4,9% para 4,2% em 2023, conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este é o menor índice desde o início da coleta de dados sobre o tema, em 2016, quando a taxa era de 5,2%.
Desigualdades Raciais e de Gênero
O retrato do trabalho infantil revela disparidades significativas. Pretos e pardos representam 65,2% da população nessa situação, embora sejam 59,3% do total na faixa etária. Em contrapartida, os brancos compõem 39,9% do grupo de idade, mas apenas 33,8% dos trabalhadores infantis. Além disso, os jovens do sexo masculino correspondem a 63,8% dos trabalhadores, enquanto representam 51,2% da população total dessa faixa etária.
Katerina Volcov, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, destaca que as normas socioculturais em várias regiões do Brasil naturalizam o trabalho infantil, especialmente em contextos rurais e nas atividades domésticas. Ela também alerta para novas formas de trabalho infantil que emergem em classes sociais mais altas, como o trabalho digital, frequentemente aceito como uma alternativa válida de vida para crianças e adolescentes.
Impactos Negativos
O trabalho infantil traz sérios riscos à saúde, à educação e ao desenvolvimento das crianças. Muitas vezes, as atividades laborais prejudicam o desempenho escolar e limitam oportunidades futuras, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão social. A pesquisa aponta que, enquanto 97,5% da população de 5 a 17 anos são estudantes, esse número cai para 88,4% entre os que estão em situação de trabalho infantil. Além disso, uma em cada cinco crianças e adolescentes trabalhava 40 horas ou mais por semana.
Os dados também revelam que o rendimento médio mensal dos menores em trabalho infantil é de R$ 771, com valores ainda mais baixos para pretos e pardos. Savana Faria, especialista em direito trabalhista, explica que famílias em situação de pobreza muitas vezes veem o trabalho infantil como uma necessidade econômica, o que normaliza essa prática.
Setores de Atuação
Quase metade das crianças e adolescentes em trabalho infantil estão empregados em setores como comércio e reparação de veículos (26,7%) e atividades ligadas à agricultura, pesca e pecuária (21,6%). Outros serviços comuns incluem alojamento e alimentação (12,6%), indústria (11%) e trabalho doméstico (6,5%).
A pesquisa também aponta que 586 mil crianças e adolescentes exercem as piores formas de trabalho infantil, aquelas descritas na Lista TIP (Trabalho Infantil Proibido), que envolvem riscos significativos à saúde e segurança.
Necessidade de Mudanças Estruturais
Volcov considera a situação atual “inaceitável” e enfatiza que, embora a redução no número de casos seja um avanço, não reflete uma transformação estrutural necessária para a erradicação total do trabalho infantil. Ela defende mudanças na legislação, uma participação mais efetiva e articulada entre ministérios, além de investimentos robustos em políticas públicas e ações de fiscalização.
A luta contra o trabalho infantil no Brasil é um desafio contínuo que requer a união de esforços entre governo, sociedade e famílias para garantir que as crianças possam desfrutar de seus direitos, incluindo a educação e um futuro sem as limitações impostas pelo trabalho precoce.