Pastores da Igreja Universal são investigados por desvio de R$ 3 milhões em dízimo de fiéis
Grupo de 12 pastores foi afastado da direção da igreja de Edir Macedo. Eles roubavam dinheiro que eram doados por fiéis e lavavam com o “Faraó dos Bitcoins”
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Doze ex-pastores da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) estão sendo investigados pela Polícia Civil, suspeitos de operar um esquema milionário de desvio de dízimos e ofertas em templos do Distrito Federal.
A denúncia partiu da própria Iurd, que acionou as autoridades ao perceber o desfalque milionário nos cofres da igreja. A instituição demitiu os 12 suspeitos.
Acredita-se que o grupo tenha desviado no mínimo R$ 3 milhões, liderado pelo ex-pastor regional Nei Carlos dos Santos.
Segundo informações obtidas pelo portal Metrópoles, os religiosos teriam aberto empresas de fachada para lavar o dinheiro desviado. Boa parte dos recursos teria sido obtido no Culto dos 318, reunião religiosa voltada para empresários e os demais fiéis que desejam melhorar suas vidas financeiras.
Além disso, os 12 líderes religiosos suspeitos teriam ligação com o ex-garçom Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como Faraó dos Bitcoins. Santos foi preso pela Polícia Federal em agosto deste ano.
Para as autoridades, as movimentações bilionárias de Faraó tiveram início com o desvio de ofertas na Universal, supostamente comandadas por Nei.
Além de Nei Carlos, os outros pastores investigados são Alexandre Souza, Julio Turcato, Loran Pereira de Sousa, Ramon Portela, Welison Fernandes Pereira, Wesley Macedo, Carlos Alexandre de Oliveira, Cosme da Costa, Dayvid Jasino, Marcelo Eisenhower Neiva e Wanderson de Souza.
O caso está nas mãos do Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Veja parte do contrato de compra do apartamento de R$ 2,7 milhões pelo pastor Nei:
Com upgrade na conta bancária, o religioso começou a empreender. Abriu, sem conhecimento da Universal, uma empresa de psicologia, consultoria e tecnologia. A atividade econômica principal da firma, que ostenta capital social de R$ 500 mil, era de consultoria em tecnologia da informação.
Em consulta ao site de Receita Federal, a reportagem constatou que a empresa NS Psicologia, Consultoria e Tecnologia Eireli está localizada em duas salas (1807 e 1808) do centro comercial Brasil 21. No entanto, quando o Metrópoles foi ao local, encontrou o espaço fechado.
Antes de registrar a firma no endereço da Asa Sul, a NS funcionava em Águas Claras, mesmo local onde a GAS Consultoria e Tecnologia LTDA., de propriedade do ex-pastor Glaidson Acácio dos Santos, exercia atividades.
Nei dos Santos também constituiu outra empresa, a New Gestão Empresarial. Ele abriu o negócio em sociedade com um religioso da mesma congregação: Welison Fernandes Pereira, reforçando a suspeita de que mais membros podem estar envolvidos nas possíveis irregularidades. Denúncia apurada pela PCDF detalha, ainda, que Nei dos Santos costumava realizar reuniões em sua casa na época em que ele desempenhava funções na igreja.
Empresas de ex-pastores
“Nesses encontros, foi relatado que eles efetuavam operações financeiras (bitcoin) utilizando dinheiro supostamente desviado proveniente dos dízimos e ofertas. Não à toa que investigado e ex-pastores abriram diversas empresas nos últimos meses”, diz o texto assinado por um advogado da Universal e encaminhado aos investigadores do DF.
O Metrópoles apurou que os suspeitos constituíram empresas de consultoria, tecnologia e transporte em Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.
Além dos suspeitos apresentados na imagem acima, outros cinco estão sob investigação: Carlos Alexandre de Oliveira, Cosme da Costa, Dayvid Jasino, Marcelo Eisenhower Neiva e Wanderson de Souza.
Sem saber explicar a origem dos bens acumulados, Nei foi desligado da Universal em 4 de fevereiro deste ano. “Fica evidente que esta empresa (NS Psicologia) pode ter sido constituída para lavar dinheiro do desvio de dízimos e ofertas. O próprio capital social da empresa já seria incompatível com a sua renda, sendo impossível sua criação utilizando valores legais”, diz a Universal em denúncia enviada à PCDF.
Entenda os desvios:
Bitcoin
Formada em gestão pública, uma mulher de 39 anos, moradora do Distrito Federal, foi vítima da GAS Consultoria. Sob condição de anonimato, ela relata que conheceu a empresa por meio de sua psicóloga, a qual indicou uma pastora da igreja evangélica, representante da consultoria. “Marcamos em um restaurante. Ela me explicou as condições. Eu acreditei porque foi recomendação da minha terapeuta. A psicóloga disse que já investia e o lucro era certo. Saquei todo o meu FGTS, R$ 62 mil, e apliquei. A promessa era um rendimento mensal de 10% do valor investido”, detalhou a mulher. Após a operação da PF, a vítima se deu conta de que era um golpe e registrou ocorrência na PCDF.
Em denúncia feita à Justiça, o Ministério Público Federal (MPF) aponta que os representantes da GAS ofereciam uma espécie de contrato de investimento coletivo denominado “Contrato de Prestação de Serviços para Investimento em Bitcoin – moeda criptografada”, por meio do qual assegurariam aos investidores o rendimento bruto mensal de 10% sobre o valor investido por um prazo determinado mediante “aplicação de dinheiro brasileiro em mercado financeiro da moeda criptografada denominada Bitcoin”, com a previsão de que a remuneração da contratada pelos serviços prestados seria “o valor que ultrapasse o percentual líquido auferido pelos Contratantes, enquanto durar o presente contrato”.
Em abril deste ano, houve a apreensão, pela PF, de R$ 7 milhões em espécie, acondicionados em três malas que seriam transportadas de helicóptero do balneário de Armação dos Búzios (RJ) para a cidade de São Paulo (SP), com destinação desconhecida. A própria empresa reconheceu a titularidade dos valores, pleiteando a restituição.
Com o avanço das investigações, informações obtidas por meio de relatórios de inteligência financeira, afastamentos de sigilos fiscais, interceptação telefônica e medidas de busca e apreensão revelaram a magnitude do esquema criminoso, que movimentou, de maneira ilícita, pelo menos R$ 38.223.489.348,97, por meio de pessoas físicas e jurídicas no Brasil e no exterior, sendo mapeadas, até o momento, atividades da organização criminosa em, ao menos, sete países: Estados Unidos da América, Reino Unido, Portugal, Uruguai, Colômbia, Paraguai e Emirados Árabes Unidos.
Ações judiciais
Centenas de vítimas que sofreram prejuízos após a quebra das pirâmides financeiras promoveram uma corrida aos tribunais para tentar reaver parte dos valores investidos. Segundo o advogado Leonardo Honorato, especialista na área de recuperação de ativos, sócio do escritório Almeida, Honorato e Pimenta Advogados, os clientes da GAS interessados em recuperar os valores investidos devem ajuizar as ações o quanto antes: “Já existem mais de 300 processos distribuídos, considerando somente o estado do Rio de Janeiro e o Distrito Federal e não se tem certeza de que os valores bloqueados pela Justiça sejam suficientes para ressarcir o capital original de todos os investidores”, disse.
Procurada, a defesa da Igreja Universal do Reino de Deus informou que não irá mais se pronunciar sobre os fatos, pois pediu segredo de Justiça no processo sobre os 12 ex-pastores. Também foram feitos contatos com Nei Santos e as defesas de Glaidson e a GAS Consultoria e Tecnologia, mas eles não se manifestaram. Os outros 11 ex-pastores denunciados pela Iurd não foram localizados pela reportagem. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.