Os devotos do São Patrício
O rio que dá nome ao Vale do São Patrício vem sobrevivendo à Via Crucis imposta pelas usinas de álcool e açúcar instaladas em suas proximidades, mas a crucificação e morte podem estar próximas depois que a Agro-Rubi resolveu pegá-lo pra cristo ao iniciar obras para captar água do seu leito e irrigar milhares de hectares cobertos por cana-de-açúcar.
Mais precisamente no distrito de Quebra Coco, no município de Ipiranga de Goiás, a usina começou a instalar tubulação capaz de transportar meio rio sugado pelos gigantescos kits motor/bomba já bastante conhecidos na região.
O que a usina não esperava é que, diferentemente de Pôncio Pilatos, a comunidade local resolveu não lavar as mãos enquanto ainda há água e vida no rio e está disposta a enfrentar a força da empresa que faz o que bem quer com os recursos naturais que ainda não conseguiu destruir.
A primeira manifestação de resistência – o povo sabe que não se resolve isso só no diálogo – foi atear fogo em uma das máquinas que trabalhavam no local. A empresa, que de santa não tem nada, sumiu de lá por uns 40 dias e recentemente voltou e passou a usar mais uma vez a esperteza em seu benefício e em prejuízo ao meio ambiente: não deixa máquinas ficarem durante à noite no local. Fogem de lá e só voltam no outro dia de manhã.
Mas o povo já avisou que não vai deixar que se use o rio como Cordeiro da Usina. Aliás, não vai aceitar nem sequer um carneiro irrigando água do São Patrício.
No distrito, e em todo o município de Ipiranga, o que se ouve nas rodinhas de conversa é que vão continuar com a luta pela vida do rio já castigado com a destruição de seus afluentes – não há nascente que resista à assorearão causada pela monocultura que desmata, põe fogo, entope grotas, invade a área verde das margens dos cursos d’água, banha tudo que está no chão com agrotóxico lançado por aviões, e outras atrocidades cometidas contra a natureza.
O santo que dá nome ao rio, diz a crença, foi o responsável pelo desaparecimento das cobras da ilha onde hoje fica a Irlanda e possibilitar sua povoação. No vale do nosso rio a usina dá uma de santa, mas some não só com as cobras e, sim, com tudo quanto é bicho.
Enquanto isso, autoridades federais, estaduais e municipais também lavam as mãos e se depender delas só vão restar as cinzas – que na região colorem as testas não só na primeira quarta-feira da quaresma, pois ainda se queima lavoura de cana e a fuligem que voa pra todos os cantos deixa plúmbeo o céu, sujo o chão e irritadíssimas as donas de casa.
E é justamente a queima de lavouras de cana, que tanto prejudicou por décadas o povo, uma das estratégias da população caso a usina não recue do projeto de destruição do Rio São Patrício.
Thiago Queiroz é jornalista