A corrupção tem corroído as engrenagens da máquina pública brasileira. E o antídoto tem nome complicado – compliance, termo inglês para conformidade –, mas propósitos bem claros: prevenir casos de corrupção e de desvio de dinheiro com a implantação das boas práticas da gestão privada no setor público. Resultados: melhor aplicação dos recursos e qualidade na prestação de serviços à população.
Após pouco mais de um mês da assinatura pelo governador Ronaldo Caiado do decreto de implantação do Programa de Compliance Público no Poder Executivo do Estado, a previsão inicial de atingir 14 órgãos foi superada. Até esta segunda-feira, dia 25, 18 pastas já haviam formalizado o termo de adesão.
As secretarias de Economia, Agricultura, Segurança Pública, Saúde, Educação, de Desenvolvimento Social, de Administração, de Indústria, Comércio e Serviços, além da Agência Goiana de Infraestrutura (Goinfra), Delegacia-Geral da Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros Militar, Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran), da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Procuradoria-Geral do Estado, Ipasgo e Goiásprev já iniciaram a implementação do programa. Completa a lista a Saneago, primeiro órgão a instituir o Compliance.
Os órgãos que aderiram neste primeiro momento foram escolhidos por gerenciarem o maior volume de recursos do orçamento público. O controlador-geral Henrique Ziller explica que a assinatura do termo garante que o programa tenha o patrocínio da alta administração de cada secretaria, autarquia ou agência pública. “Esse comprometimento é fundamental para o sucesso do PCP em todo o âmbito estadual”, complementa.
O próximo passo é a instalação, dentro dos respectivos órgãos, do Comitê Setorial de Compliance Público. Trata-se de é um colegiado de caráter consultivo e permanente composto pelos dirigentes e demais membros da alta gestão da pasta, com competência para coordenar e executar o programa sob a orientação consultiva da CGE.
“A Controladoria realizou um amplo trabalho de capacitação de seu quadro, e mais de 90 servidores estão aptos a lidar com gestão de risco. Neste primeiro momento, 28 servidores da CGE vão trabalhar diretamente dentro dos órgãos, em duplas, compondo os comitês e fazendo as consultorias”, explica o subchefe da CGE, Marcos Tadeu.
Goiás é o primeiro Estado a instituir na íntegra o Programa de Compliance Público e, de forma sistêmica, alcançando todo o executivo estadual. “É um tratamento definitivo para um processo de corrupção que devastou o Brasil e o nosso Estado”, ressaltou Caiado na assinatura do decreto 9.406, de 18 de fevereiro de 2019. “Competência de gestão e transparência com o gasto público são dois pontos que a sociedade goiana exige nessa hora.”
Garantia de eficiência no serviço público
Em Brasília, experiências pontuais de compliance público geraram resultados interessantes. O auditor de controle interno Marcos Tadeu, da Controladoria Geral do Distrito Federal (CGDF), conta que somente na Fundação Hemocentro de Brasília, com a implantação da fase de gestão de riscos foi possível conquistar, em seis meses, uma economia de R$ 10 milhões dentro de um orçamento estimado em R$ 30 milhões, excluindo-se a folha de funcionários públicos. Na ponta, a sociedade sente o resultado do compliance na melhoria dos serviços oferecidos pelo Estado.
“Diante do cenário atual de falência da máquina estatal, a implantação de compliance na gestão pública é estratégia necessária para garantir que serviços mínimos à população sejam prestados”, defende a advogada goiana Anna Carolina Miranda Bastos do Valle, especialista em Direito Corporativo e Direito Tributário Internacional. Ela fala com propriedade do tema. Em 2018, Anna Carolina fez parte do Comitê de Compliance e Integridade, uma das oito equipes que integraram o Business 20 (B20) Argentina.
O B20 reuniu, por um ano, especialistas de cinco continentes que trocaram experiências sobre gestões, leis e projetos que têm surtido efeito positivo no combate à corrupção em seus países. Ao final do trabalho, o B20 apresentou relatório com a compilação das melhores práticas aos líderes do Grupo dos 20, fórum formado por ministros de finanças e chefes de bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia.
A advogada ressalta que Goiás está seguindo uma tendência mundial de levar a prática do Programa de Compliance, que hoje já é uma realidade no mundo empresarial para o setor público. No relatório do comitê do B20, uma das recomendações era a implementação de altos padrões de ética e integridade nas empresas estatais. “Fico feliz em ver que o nosso Estado está agindo de acordo com as boas práticas internacionais”, comemora a advogada.
Os quatro eixos do programa
O programa de compliance fundamenta-se em quatro eixos, como explica o sub-chefe da Controladoria Geral do Estado (CGE) de Goiás, Marco Tadeu, que são a gestão de ética, a gestão de riscos, a transparência e a responsabilização.
O primeiro eixo é a gestão de ética. “Vamos trabalhar instrumentos de ética e de padrão de conduta tanto da alta gestão quando dos demais servidores”, esclarece Marcos Tadeu. Na transparência, o foco é aprimorar os instrumentos já exigidos em lei por parte do poder público. A ideia é transformar em uma transparência mais ativa, conforme salienta o sub-chefe da CGE.
Outro ponto, a responsabilização consiste na aplicação de punições aos agentes públicos e privados que tenham cometido irregularidade na administração pública. O quarto eixo, e talvez o mais relevante, é a gestão de riscos, que é a realização de um trabalho preventivo para evitar riscos de corrupção e danos ao erário público.
Gestão de riscos
Norma internacional de gestão de riscos, a ISO 31000 confere os princípios e diretrizes, definindo estrutura e modelos para esse gerenciamento. “É uma norma aplicada a 44 das 54 maiores economias do mundo”, enfatiza Marcos Tadeu. Em Goiás, a Controladoria Geral do Estado, coordenadora do programa, já elaborou um plano de implementação deste quarto eixo.