Cresce no Brasil o comércio de atestados médicos e receitas falsas

Por Ana Lucia
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Quem nunca ouviu falar de alguém que deu aquele famoso “migué” com um atestado médico falso para não ir trabalhar? O que antes era apenas uma história isolada se transformou em um problema crescente no Brasil, alimentado pelo comércio de documentos médicos falsos, receitas e até pedidos de exames, especialmente nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Nos últimos anos, o fenômeno deixou de ser apenas uma curiosidade e se tornou um negócio altamente lucrativo e organizado.
Segundo levantamento recente, o número de anúncios sobre documentos falsos no Telegram aumentou mais de 20 vezes desde 2018, passando de 686 para mais de 15 mil por ano. Somente de janeiro a julho deste ano, esses conteúdos somaram quase meio milhão de visualizações. O esquema é profissional: envolve bots automatizados, perfis falsos e marketplaces organizados que facilitam pagamentos e entregas em questão de minutos, com baixo risco de rastreamento.
Mais de 27 mil pessoas participam ativamente de grupos de compra e venda, oferecendo desde receitas com carimbos reais de médicos — que muitas vezes nem sabem que seus nomes foram utilizados — até atestados médicos feitos sob medida. Na prática, o comprador recebe instruções detalhadas sobre como imprimir o documento, assiná-lo e até procurar farmácias que aceitem a receita ou o atestado. Alguns serviços permitem inclusive que o cliente escolha o CID (Código Internacional de Doenças) e o período de afastamento, tornando o processo ainda mais sofisticado.
O problema não se limita aos documentos falsos. Medicamentos controlados, como remédios tarja-preta, abortivos e produtos para emagrecimento, também são oferecidos sem qualquer prescrição médica, o que aumenta significativamente os riscos para a saúde pública. O comércio ilegal de remédios e atestados compromete não apenas empresas e empregadores, mas também coloca em xeque a credibilidade do sistema de saúde e a segurança de pacientes que realmente necessitam de acompanhamento médico.
Especialistas afirmam que o crescimento desse tipo de fraude evidencia um problema ético e social: além da ilegalidade, existe a questão da responsabilidade individual e da falta de consciência sobre os riscos que essas práticas podem gerar. A facilidade proporcionada pelas redes sociais e a ausência de barreiras efetivas para a venda de documentos e medicamentos fomentam um ambiente propício para golpes e fraudes.
Para tentar conter a prática, o Conselho Federal de Medicina implementou um sistema digital de rastreamento de atestados, notificando o médico sempre que um documento é emitido em seu nome. Ele pode então confirmar ou contestar a validade do documento, dificultando a ação de fraudadores e oferecendo uma ferramenta de controle mais eficiente. Contudo, especialistas alertam que medidas tecnológicas sozinhas não são suficientes: é fundamental que haja fiscalização, educação da população e políticas públicas que reduzam os incentivos para essas fraudes.
O aumento desse comércio ilegal demonstra que a ética, a responsabilidade e a segurança digital são desafios centrais na era das redes sociais. Sem ações coordenadas entre órgãos de saúde, empresas e sociedade, o problema tende a crescer, gerando prejuízos financeiros, riscos à saúde e perda de confiança em profissionais honestos.
A conscientização é o primeiro passo. Médicos, pacientes e empregadores precisam estar atentos aos sinais de fraude e compreender que documentos falsos não são apenas “atalhos” para faltar ao trabalho ou adquirir medicamentos, mas representam um risco real e sério à saúde e à integridade do sistema médico.
@AnaLucia