Brics busca unidade em meio à tensão global e guerra contra o Irã

Da Redação
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A cúpula do Brics, realizada no domingo e segunda-feira no Rio de Janeiro, ocorre em um dos contextos mais delicados desde a criação do bloco, com os países-membros tentando manter uma agenda de cooperação diante da guerra envolvendo Israel, Estados Unidos e o Irã — este último, novo integrante permanente do grupo. A escalada do conflito no Oriente Médio se soma aos desafios já existentes, como o avanço das políticas protecionistas dos EUA, a disputa tecnológica com a China e os impactos econômicos da guerra na Ucrânia, tornando o encontro ainda mais estratégico.
A presidência brasileira tem pela frente o desafio de consolidar institucionalmente o Brics, que passou de cinco para onze membros permanentes nos últimos dois anos e conta agora com dez países parceiros. Essa expansão elevou o peso político do grupo, que representa quase metade da população mundial e responde por 39% da economia global. No entanto, também tornou mais complexa a articulação interna, já que os interesses dos países são diversos e, em alguns casos, conflitantes.
A busca por maior institucionalização tem sido uma das apostas do Brasil nesta cúpula. Atualmente, o Brics ainda funciona de forma informal, sem regras claras para tomada de decisões ou critérios definidos para adesão de novos membros. Para a professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Ana Garcia, esse avanço seria essencial para dar mais solidez ao bloco. “É preciso decidir se as decisões vão continuar sendo por consenso, ou não.
Quais critérios objetivos para a entrada de novos países? Se essa agenda avançar, será um ganho importante para o grupo”, afirmou.
Outro tema de destaque na cúpula é a proposta de desdolarização. A criação de sistemas de pagamento em moedas locais voltou ao debate, especialmente após a guerra econômica contra a Rússia e os embargos financeiros que isolaram Moscou do sistema financeiro internacional. No entanto, segundo especialistas, o tema avança com cautela. Países como Brasil, Índia e até a própria China possuem grandes reservas em dólar e uma mudança abrupta poderia trazer instabilidade.
Ana Garcia pondera que, embora o bloco reconheça as desvantagens do atual sistema financeiro global dominado pelo dólar, não há consenso para uma substituição imediata.
“Deter a moeda internacional dá poderes extravagantes aos EUA, mas também impõe custos. A China, por exemplo, não quer abrir sua economia nem liberar o fluxo de capitais para tornar o yuan uma moeda global”, explicou. Ela acredita que, por ora, o tema seguirá em debate técnico, com eventuais avanços apenas em padronizações e regulamentações.
A cúpula deste ano também reflete uma mudança de tom em comparação ao encontro anterior, realizado na Rússia. De acordo com a professora Maria Elena Rodríguez, coordenadora do grupo de pesquisa sobre Brics da PUC-Rio, a agenda liderada por Moscou foi muito mais ambiciosa, enquanto o Brasil optou por uma postura mais moderada.
“A Rússia veio com propostas ousadas, como a criação de uma bolsa de grãos para substituir a de Chicago. O Brasil tem buscado evitar confrontos diretos com os EUA, especialmente com Trump de volta ao centro das decisões”, destacou.
Segundo Rodríguez, países como Índia, África do Sul, Egito e Emirados Árabes também adotam postura mais equilibrada diante do novo cenário geopolítico. “Eles têm interesse em fortalecer o Sul Global, mas sem se colocar em oposição direta ao Ocidente.
A agenda atual reflete isso: mais pragmatismo, menos embate político direto”, disse.