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#TBTdaAmarelinha: Elane, a zagueira que fez o primeiro gol da Seleção Brasileira em Mundiais

De uma jovem apaixonada por futebol à marca do primeiro gol da Seleção Brasileira em uma copa do Mundo: conheça a trajetória de Elane

Elane foi a primeira mulher a marcar um gol para o Brasil em uma Copa do Mundo. Mesmo hoje, a ex-zagueira ainda não consegue sentir o peso de ter aberto as portas para toda uma geração no futebol feminino. Mas esse sentimento não é de se espantar. Para ela, a vida sempre foi sobre quebrar barreiras e se superar. Nascida em uma família muito humilde, já foi babá, empregada doméstica e até funcionária do próprio clube onde treinava. Tudo isso para manter vivo o sonho de ser jogadora.

Capitã da Seleção Brasileira durante a década de 1990, Elane participou de quatro Copas do Mundo, uma Olimpíada e três Sul-Americanos. Apesar de nunca ter ganhado um título mundial pela Amarelinha, a defensora foi referência em uma época de pouca visibilidade para o esporte. O #TBTdaAmarelinha de hoje escolhe a história dela para mostrar a importância de entender a origem do nosso futebol.

Elane

Zagueira da Seleção Brasileira
Defendeu o Brasil de 1988 a 1999
Títulos: Sul-Americano 1991 (Brasil), 1995 (Brasil), 1998 (Argentina) e Terceiro lugar na Copa do Mundo 1999 (Estados Unidos)

A coragem do mundo novo

Assim como muitas de sua geração, Elane começou a jogar bola na rua. Sua primeira oportunidade veio aos 15 anos, quando César, antigo olheiro do São Cristóvão, avistou de longe o seu talento. No clube, ela se deparou com um mundo totalmente novo, onde várias meninas dividiam a mesma paixão pelo futebol.

“Eu estava brincando de bola em frente de casa. Como não tinha muro, um rapaz passou de carro, me viu e perguntou se eu jogava. Eu disse que sim e começamos a conversar. Logo depois veio a proposta de jogar pelo São Cristóvão. Eu nem sabia que tinha futebol em clube naquela época, muito menos que outras meninas jogavam”, lembrou.

Suas habilidades foram rapidamente reconhecidas e, em menos de um mês, ela foi chamada para defender o Bonsucesso. No time da Leopoldina, a zagueira conquistou o Carioca Juvenil em 1983 e fez grandes atuações pelo adulto. Sua carreira então deslanchou e teve passagens pela Portuguesa, Radar, Corinthians, Santos e São Paulo. Mas nem sempre o futebol foi o suficiente para o sustento de Elane.

Ela precisou trabalhar desde cedo para ajudar com as despesas de casa. Para conciliar sua paixão pelo futebol e o seu dever como filha, decidiu aceitar todas as ajudas que apareciam. Ao mesmo tempo em que atuava como jogadora, foi babá e empregada doméstica. Chegou até mesmo a trabalhar no clube em que treinava.

“Eu só consegui porque tive muita ajuda das meninas que jogavam comigo e de alguns apaixonados pelo futebol feminino. A minha mãe reclamava, dizia que aquilo não tinha futuro. Mas eu sabia que era o que eu queria fazer. Então, as pessoas viam meu potencial e me ajudavam. Não com dinheiro, mas com oportunidades de estar perto do futebol. Muitas vezes, eu começava as tarefas, parava para treinar e depois voltava para os meus afazeres”, recordou.

Um gol para sempre

A história do futebol feminino é feita de grandes atletas, pioneirismos e momentos inesquecíveis. Foi justamente assim que Elane se eternizou na história da Amarelinha. Foi dela o primeiro gol na vitória por 1  a 0 sobre o Japão, no Mundial da FIFA de 1991, na China. Um gol tão grande que a própria Elane demorou a ter real noção da dimensão de seu feito.

“Na hora a gente fica meio aérea. Tinha época da minha vida em que eu nem lembrava disso. Essa coisa de que eu tinha feito o primeiro gol brasileiro numa Copa do Mundo Feminina passava despercebido”, revelou.

Tudo ficou mais claro para Elane em 2019, quando a ex-zagueira participou de uma ação da Fiat, durante o Torneio Internacional de Futebol Feminino. Ela foi chamada pela patrocinadora da CBF para recriar seu gol na Granja Comary, em Teresópolis. As imagens foram transmitidas no intervalo da partida contra a Holanda, no Pacaembu. A gravação reuniu até mesmo as jogadoras atuais da Seleção e deixou Elane impressionada.

“Até esporadicamente, alguém comentava, mas eu nem me ligava muito nisso… Até o dia da gravação do gol. Na época, então, eu não tinha a menor ideia. O gol representava a vitória da partida, mas não que eu tinha feito o primeiro gol da Seleção. Não passava pela minha cabeça. Eu acho que assim como eu, muita gente só foi procurar depois que isso veio à tona, através do comercial, da mídia”, destacou.

Primeira Seleção Brasileira Feminina durante o Mundial Experimental da FIFA em 1988Primeira Seleção Brasileira Feminina durante o Mundial Experimental da FIFA em 1988
Créditos: Arquivo Pessoal

A campanha impecável no Sul-Americano de 98

Para garantir uma vaga na Copa do Mundo de 1999, a Seleção Brasileira teve que disputar o Sul-Americano do ano anterior. Foi uma campanha impecável. Invictas no campeonato, as brasileiras balançaram a rede das adversárias 66 vezes e sofreram apenas três gols em seis jogos. A ex-zagueira lembra que o prazer e o orgulho de defender a pátria guiavam seu futebol:

“Foi uma alegria servir à Seleção naquela época. Nós jogávamos pelo prazer em defender o nosso país. Escutar o hino era uma emoção muito grande e essa, sem dúvida, foi minha maior alegria no futebol”.

Assim como em 95, a Argentina foi a adversária da grande decisão. Numa final jogada na casa delas, a Seleção Brasileira mais uma vez mostrou sua força dentro de campo e conquistou o terceiro título consecutivo da competição.

“Tínhamos uma responsabilidade grande pelos títulos anteriores, mas conhecíamos a qualidade e a capacidade do nosso grupo. A final contra as argentinas, na Argentina, foi especial. Todo jogo contra elas é diferente por causa da nossa rivalidade histórica”, disse.

Seleção Brasileira Feminina conquista o Sul-Americano de 1998Seleção Brasileira Feminina conquista o Sul-Americano de 1998
Créditos: Arquivo Pessoal

A rivalidade com as norte-americanas

A última vez que Elane vestiu a camisa da Seleção foi na Copa do Mundo de 1999. A expectativa de mais um Mundial, desta vez nos Estados Unidos, era enorme. Melhor amparadas estruturalmente, as brasileiras vinham com muita confiança. A ex-capitã lembra que durante meses de preparação houve muitas viagens para as terras norte-americanas, justamente porque elas formavam o melhor time do mundo da modalidade.

“Eu acho que visitei uns 15 estádios diferentes lá. Com certeza, foi a Seleção com quem a gente mais jogou. Elas eram absurdas, muito boas, então a vontade de ganhar era gigantesca. Sabíamos que só íamos chegar no ótimo se batêssemos o time delas”, relembrou.

Elane se descreve como uma “zagueira com cara de mau”. Ela explica que sempre teve uma personalidade muito forte. Por sua competitividade, entrava e saía dos gramados sempre com a cara fechada. Em um lance polêmico na semifinal de 99, ela acabou criando uma má fama entre os torcedores norte-americanos.

“Teve um lance contra a Mia Hamm que acabou reforçando mais ainda a rivalidade contra elas. Foi o pênalti polêmico da semifinal, que era de interpretação. Eu lembro que levantei, peguei a bola e fiquei fazendo sinal de não pro juiz. A torcida achou que eu estava mentindo e aquelas 90 mil pessoas começaram a me vaiar. Acabei ficando com uma fama ruim”, admitiu.

Apesar do terceiro lugar no Mundial de 1999, a derrota contra o time de Mia martela até hoje na cabeça de Elane. Vindo de uma maior regularidade de treinos e competições, as brasileiras se sentiam preparadas para buscar o tão sonhado ouro.

Elane, zagueira da Seleção, vestia a camisa 6Elane, zagueira da Seleção, vestia a camisa 6
Créditos: Divulgação

Trajetória Olímpica e a formação do Grupo “Bola Redonda”

Outro momento que Elane lembra com um incômodo de ter faltado tão pouco foram os Jogos Olímpicos de 1996. As comandadas pelo técnico Zé Duarte terminaram em quarto lugar na competição. Derrotada nas semifinais para a China, a equipe perdeu a disputa do bronze por 2 a 0 contra a Noruega.

“É claro que a gente queria ganhar, mas fomos sem muitas expectativas. Acabou que fizemos boas partidas e perdemos de virada para a China. Podíamos ter ganhado. Eu não sei dizer o que houve, mas faltou muito pouco”, destacou.

A medalha pode não ter vindo, mas o maior legado que o futebol feminino deixou para a vida de Elane foram as amizades. Ela lembra que em todos os times que frequentou, só conseguiu seguir em frente graças  às famílias criadas pelo futebol. Com as jogadoras da Seleção, como Roseli, Fanta, Pretinha e tantas outras, elas formaram o ‘Bola Redonda’. Todo mês fazem questão de se encontrar para relembrar tudo que viveram com a camisa verde e amarela.

“Se você for perguntar pra nós, a maioria vai falar que o legado que o futebol feminino deixou para nós foi a questão de família, de sermos unidas, de estarmos brigando por uma coisa só. Todas nós sempre nos ajudávamos. Fiz amizades que guardo pra vida toda. A gente se fala até hoje. É como se fossemos irmãs mesmas. Sempre que nos reunimos, a gente conversa e relembra tudo aquilo que brigamos lá no início”, concluiu.

Quem é Elane?

– Elane foi uma das melhores zagueiras do futebol brasileiro. Se posicionava bem, jogava com firmeza e era uma líder em campo. – Pretinha

– Ela sempre foi um exemplo pra mim. Era muito difícil jogar contra ela. É alguém que eu tenho muito respeito, não só como jogadora, mas como pessoa. – Sissi

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