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“Igreja precisa discutir violência doméstica”, diz escritora

O silêncio das igrejas em casos cada vez mais frequentes sobre violência doméstica, empodera homens agressores

 Entrevista com a famosa escritora e jornalista Marília de Camargo César descortina esse cenário e mostra a realidade vivida por milhares de mulheres brasileiras; autora dos livros Entre a Cruz e o Arco-Íris, Marina: a vida por uma causa (2010) e Feridos em Nome de Deus (2009) e lança agora O Grito de Eva

  • JGD – Uma relação de poder exacerbada de homens cristãos sobre as mulheres?
    Marília de Camargo César — Em geral, o homem é empoderado. Mesmo ele sendo uma pessoa violenta, o pastor dificilmente vai exortá-lo, geralmente essa exortação é para a mulher. São usadas até passagens bíblicas, dizendo que ela deve ficar em silêncio ‘pois é assim que você irá ganhar seu marido’.
    Está faltando a igreja discutir o assunto, foi o que eu percebi fazendo a pesquisa do livro.
    Não sei dizer se homens de igreja são mais violentos do que os dos lares que não são evangélicos, não há uma pesquisa comparando esses dois públicos. Mas a igreja é um reflexo da sociedade, como um todo, e os dados de violência doméstica no Brasil são muito altos e gravíssimos — o que se acentuou na pandemia com a convivência forçada entre casais.
  • JGD – E a resposta das igrejas perante a situação de abuso, é assertiva?  
    Marília de Camargo — No caso das mulheres evangélicas existe um problema adicional, que é a falta de apoio das igrejas. Às vezes falta até coragem para ir conversar com seu pastor ou com uma irmã da igreja sobre esse problema.De todo modo, a orientação que ela vai receber, é na minha visão, inaceitável.
    Essas mulheres quando chegam ao pastor em busca de aconselhamento, em geral, o que ela vai ouvir é: ‘minha irmã você precisa orar mais pelo seu esposo, e jejuar mais por ele’, ou seja, o peso todo da situação cai sobre ela. Então existe sim, um tratamento inadequado que as igrejas dão a essa questão.
    JGD – Em geral, a igreja encoraja o silêncio em caso de agressão doméstica?
    Marília de Camargo — O pastor não vai orientá-la a não criar alarde. Não é isso! Mas possivelmente ele vai colocar todo peso, da qual ela é vítima, vai recair sobre a mulher e não sobre o agressor. A responsabilidade fica com a vítima, e isso é uma situação inaceitável, e pouco se fala sobre esse público de homens violentos. Existe uma conivência dos pastores com agressores. Eles não são exortados, pelo menos não do jeito que deveriam estar sendo.
    As igrejas precisam se abrir para o debate da violência doméstica, no Brasil os números são horríveis, nós somos campeões de agressões contra mulheres. É por isso que a igreja precisa se abrir e se posicionar.
    Sai e conhece trabalhos que já atuam nessa área e treinar melhor suas lideranças, sobretudo as lideranças de casais.    Tem trabalhos com homens sendo feito.
    Alguns grupos terapêuticos tratam especificamente com homens, onde só eles estão alí e conseguem um local de escuta para poder indagar: ‘ porque sou assim? Por que machuco minha mulher?
  • JGD – Qual seu conselho para mulheres que estão neste momento sofrendo abusos e silenciadas dentro das igrejas?
    Marília de Camargo — Denuncie o abuso! Violência contra a mulher é crime, então ela tem que denunciar. Se ela se sente desprotegida, e acha que não vai ter como sair dessa situação, a mulher tem que contar com ajuda de uma amiga ou familiares. Se ela não encontrar dentro das igrejas, ela precisa achar um lugar que vai acolhê-la.
  • JGD – Há recuperação ou restauração para o agressor?  
    Marília de Camargo — Minha fala pode parecer que eu estou descartando as armas espirituais, mas não, eu sei que Deus tem poder para mudar a vida de um homem agressor. Mas essas não são as ferramentas adequadas. Isso tem que acontecer longe da mulher, para que ela esteja em segurança.
Marília de Camargo é jornalista e escritora

GED

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