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AgroCenário 2020: negócios e perspectivas em debate

A discussão se estendeu em torno das propostas para a reforma tributária, da importância da Lei Kandir e do Convênio 100, da guerra comercial envolvendo China e EUA, da volatilidade do câmbio e seus impactos sobre o preço de insumos e commodities agrícolas, entre outros assuntos

Moacir Neto, com agências. De Brasília (DF)*

Pouca gente sabe, mas a lecitina de soja usada nos melhores chocolates suíços é oriunda de um município goiano, Itumbiara. Lá, quase 70% do que é produzido é tecnologia. O cenário não poderia ser mais promissor, já que Goiás, além de soja – oleaginosa cultivada em extensas áreas da região Sudoeste, notadamente em Rio Verde -, também desponta como um dos principais estados brasileiros no ranking das exportações de carne bovina, que teve em novembro aumento de 8,09% no mercado interno, e outros produtos agropecuários. Tudo em um contexto impulsionado sobretudo pela Agricultura 4.0, a nova revolução que impacta, em um movimento cada vez mais crescente e sem volta, o agro mundial.

Na política, com as reformas (dentre elas, a da Previdência), na economia, nos negócios bilaterais com outros países, no uso crescente da tecnologia embarcada e fora das máquinas, o Brasil ocupa não apenas posição de destaque, mas atrai os olhares de nações produtoras de commodities e, obviamente, acirrados concorrentes. Isso tudo em um contexto de guerra comercial, ainda sem data para terminar, entre a China e os Estados Unidos, com influências não apenas no setor de cárneos, como na soja. O milho, outra commodity, é cobiçado por nações interessadas em aumentar a produção de aves.

Assunto não faltou por ocasião do AgroCenário 2020, encontro já em sua segunda edição, realizado em Brasília (DF), nesta quarta, 4. Traçar um panorama para o próximo ano nos cenários político, econômico e tecnológico foi o principal objetivo da ação, que é anual e promovida pela Corteva Agriscience e Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil).

Realizado paralelamente a pautas que afetam diretamente o agro brasileiro e que aguardam votação no Congresso, o AgroCenário volta os olhos para o atual contexto da política interna, sem deixar de debater o internacional. “Fazer mais, melhor e em menos tempo. Eis a máxima da competitividade”, reforça o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Alceu Moreira, ao destacar que matérias importantes e que incidem diretamente no agro, dentre elas a Legislação da Conectividade e a Lei de Herbicidas e Inseticidas, são projetos que estão prontos e aguardam para seguir ao plenário para votação.

Para o parlamentar, o produtor não põe preço nos seus produtos. Os outros atores da cadeia de produção, sim. “O produtor tem que ter renda. É preciso atenção à sanidade, assistência técnica e também à pesquisa”, diz, taxativo. Ouvido por uma plateia superior a 500 pessoas, dentre autoridades, especialistas e também jornalistas, Moreira fez um apanhado dos contextos econômico e político, bem como mostrou preocupação com a pauta de temas diretamente ligados ao setor.

“Somos referência mundial em pesquisa e não temos nenhum problema em socializar conhecimento. A biotecnologia vai avançar, em um Brasil florestal gigante”, diz Moreira, ao destacar que o produtor ainda encontra barreiras ao manejo de florestas, mesmo sendo uma técnica utilizada em todo o mundo.

“Posso manejar na Amazônia. A terceira maior economia do País está na floresta. Mas a Constituição de 88 não conseguiu criar um código para o Agro”, afirma o parlamentar, ao enumerar alguns dos imbróglios à produção sustentável. É preciso, segundo ele, definir o que é desmatamento legal, ilegal (aquele praticado por grileiros) e o irregular.

Moreira, quando questionado sobre áreas em que o governo ainda precisa avançar, lembra que é necessário cuidar da taxa de juros, crédito, conectividade e até estradas para escoamento da produção, energia e água de qualidade. Com isso, o País pode sair das 250 milhões de toneladas de grãos e saltar para 500 milhões, em apenas dez anos.

“Temos um milho competitivo, que tem entrada em importantes mercados como o Vietnã. E observamos a concorrência, mas também a demanda mundial pela commodity”, lembra o presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz Pereira, também presente ao encontro. Ele fez questão de analisar como o consumo crescente puxa para cima os preços do cereal. “O cenário é também de elevação nos preços das carnes”, diz o dirigente (leia matéria abaixo sobre o aumento de 8,09% das carnes, em novembro, e a alta da inflação).

No Matopiba (região de expansão composta pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o milho ainda está em processo de plantio. Pode ocorrer áreas com ferrugem, resultando em problemas na produção (devido à janela de plantio). “Quando foge da janela ideal de plantio, diminui o potencial produtivo”, destaca, ao lembrar que a safra de soja pode se comportar bem, confirmando as projeções feitas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que espera praticamente 121 milhões de toneladas, quase 5% a mais que a safra anterior.

“A guerra comercial (entre China e Estados Unidos) fez com que o Brasil vendesse estoque de soja abaixo do preço. A briga comercial não é interessante para o Brasil. Por outro lado, o custo de produção mais alto e isso acaba trazendo preocupação em um cenário de dólar também alto”, reflete Pereira, ao lembrar que a produção da oleaginosa está muito concentrada no Brasil – destaque no ranking mundial –, Estados Unidos, Argentina e Rússia (pouca produção).

“Temos a soja com maior teor de óleo do mundo e produzimos com sustentabilidade”, acrescenta, preocupado com o lucro do agricultor. “O produtor precisa ter renda, tem que ficar atento. Pode faltar, inclusive, milho no ano que vem. Precisamos preparar nossa agroindústria.”

Exportações

Em um cenário de futura escassez de alimentos, em um mundo com mais de 9 bilhões de pessoas (estimativa para o ano de 2050), o maior desafio é a sanidade, sobretudo na produção de carne. A conclusão é da ex-senadora Ana Amélia Lemos, hoje secretária Extraordinária de Relações Federativas e Internacionais do Rio Grande do Sul. “O nosso maior desafio é o rigor sanitário. No caso do milho, a Malásia, no sudeste asiático, já mostra interesse em importar do Brasil.”

Segurança jurídica para que o agricultor possa produzir, aumentar os recursos à pesquisa e à fiscalização, uma inspeção bem fortalecidas, bem como evitar mudanças abruptas foram algumas das sugestões da ex-senadora. “E juntar-se aos parceiros que ajudam o Brasil a ser grande.”

Diretor de Marketing da Corteva, Douglas Ribeiro lembrou que, se o Brasil está ajustando a renda do produtor, é graças à habilitação de outras 50 plantas frigoríficas aptas a exportar para a China e outros países interessados na commodity brasileira.

“Dentro da porteira, o produtor avançou nos processos [inclusive no uso da tecnologia e da conectividade]. Eu sou positivo. A Corteva aposta fortemente no apoio ao produtor e nossa linha é a de pesquisa com o menor impacto possível.” A Corteva investe, anualmente, em tecnologia e pesquisa US$ 1,2 bilhão, o equivalente a R$ 5 bilhões. E o segundo mercado mundial da companhia é o Brasil.

Debate

Com o tema Cultivando o Progresso da Agricultura Brasileira, o AgroCenário 2020 já está em sua segunda edição. Reuniu autoridades, líderes do setor, membros do Governo Federal, além de representantes de entidades do setor produtivo, empresários, pesquisadores, jornalistas e estudantes. A Reforma Tributária, Lei Kandir, Logística e Sustentabilidade foram alguns assuntos explorados ao longo de toda a programação.

Também participaram a ministra Tereza Cristina (Agricultura), o consultor em ciência política, Fernando Schuler, o sócio consultor da MB Agro Consultoria, Alexandre Mendonça de Barros, e o presidente da Corteva Agriscience, Roberto Hun.

Dentro da programação, o painel político resgatou os fatos mais relevantes de 2019, colocando-os em uma perspectiva de impacto direto e indireto sobre o agronegócio brasileiro, no curto, médio e longo prazos. Destacam-se a tentativa do Governo de estabelecer uma nova forma de relacionamento com o Poder Legislativo e a conclusão de uma etapa importante da reforma da Previdência, equiparando, em certa medida, o funcionalismo público ao setor privado. E, ainda, o amplo debate sobre forma e valores do crédito rural, e a assinatura do acordo Mercosul/UE após duas décadas de negociação.

Com moderação do jornalista Alexandre Garcia, a mesa foi composta pela ex-senadora Ana Amélia, secretária-extraordinária de Relações Federativas e Internacionais do Estado do Rio Grande do Sul, pelo deputado federal Alceu Moreira, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e o doutor em Filosofia Fernando Schuler, também mestre em Ciência Política e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

Inovação e Sustentabilidade foram os temas do segundo painel, que aprofundou a discussão sobre as contribuições reais do avanço tecnológico no campo (novos defensivos agrícolas, biotecnologia, Crispr Cas, digitalização, etc), não somente para o ganho de produtividade e eficiência de manejo, mas para a preservação do meio ambiente e promoção do bem-estar do consumidor, garantindo sustentabilidade na agricultura brasileira.

A discussão passa por alguns temas centrais como a recuperação de pastagens degradadas, o desenvolvimento de defensivos agrícolas mais modernos, a edição gênica, o aumento da demanda global por alimentos, barreiras técnicas ao comércio internacional, entre outros.

A mediação ficou a cargo do jornalista William Waack, que contou com as participações do ex-ministro de Ciência e Tecnologia Aldo Rebelo, que também já presidiu a Câmara dos Deputados, e do presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, e do diretor de Marketing da Corteva, Douglas Ribeiro.

No âmbito econômico, o terceiro painel avaliou as perspectivas futuras da economia brasileira, observando as transformações promovidas e pretendidas pelo Governo e a influência do cenário internacional no ambiente interno. Com base nesta análise, uma avaliação das consequências do quadro econômico sobre o produtor e o agronegócio brasileiro.

O debate se estendeu em torno das propostas para a reforma tributária, da importância da Lei Kandir e do Convênio 100, da guerra comercial envolvendo China e EUA, da volatilidade do câmbio e seus impactos sobre o preço de insumos e commodities agrícolas, entre outros assuntos.

IBGE: carne puxa a inflação

A alta de 8,09% no preço das carnes foi o item que mais influenciou a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em novembro deste ano. Segundo dados divulgados nesta sexta, 6, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA ficou em 0,51% em novembro, maior taxa para o mês desde 2015 (1,01%).

Os alimentos e bebidas tiveram uma alta de preços de 0,72%. Além das carnes, também contribuíram para a inflação os cereais, leguminosas e oleaginosas (1,65%), óleos e gorduras (1,33%), os produtos panificados (0,71%) e as carnes industrializadas (0,69%). Com isso, se alimentar em casa ficou 1,01% mais caro em novembro.

“A alimentação no domicílio vinha caindo há seis meses. A alta de agora foi puxada pelas carnes. Para ter uma ideia do peso do aumento das carnes, o grupo alimentação e bebidas sem as carnes teriam um resultado de deflação de 0,18%”, diz o pesquisador do IBGE Pedro Kislanov.

A alimentação fora de casa teve alta de preços de 0,21% no período. Por outro lado, tiveram queda de preços alimentos como tubérculos, raízes e legumes (-12,15%), hortaliças (-2,20%) e leites e derivados (-0,93%). Alguns itens não alimentícios também tiveram impacto importante sobre a inflação neste mês, como as loterias (24,35%), a energia elétrica (2,15%), o plano de saúde (0,59%) e o etanol (2,46%).

Grupos de despesas

Entre os grupos de despesas, os principais impactos vieram da alimentação (0,72%), despesas pessoais (1,24%) e habitação (0,71%). Também tiveram inflação os grupos transportes (0,30%), vestuário (0,35%), saúde e cuidados pessoais (0,21%) e educação (0,08%). Por outro lado, tiveram deflação (queda de preços) os grupos de despesas artigos de residência (-0,36%) e comunicação (-0,02%).

Com informações da Corteva Agriscience e Agência Brasil

*o repórter viajou a Brasília (DF) a convite da Corteva Agriscience

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