A responsabilidade civil dos influenciadores digitais e o impacto das Bets: urgência de regulação e consciência coletiva

Vivemos uma era em que a influência digital rivaliza, em alcance e poder, com as maiores redes de comunicação do país. O problema é quando esse poder é exercido sem responsabilidade, sem filtro ético, e em conluio com práticas nocivas à saúde social, econômica e mental da população.
Os influenciadores digitais, em busca de monetização rápida, tornaram-se promotores vorazes de produtos de qualidade duvidosa e, mais recentemente, das famigeradas bets, os jogos de apostas online que vêm dizimando o orçamento familiar e alimentando o ciclo do vício e do superendividamento.
Pela ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os influenciadores que anunciam produtos ou serviços assumem responsabilidade solidária pelas informações veiculadas, conforme previsto no art. 14 e art. 18 do CDC. Eles são, juridicamente, fornecedores, e respondem objetivamente pelos danos causados aos consumidores por produtos ou serviços anunciados, mesmo que não sejam os fabricantes.
A jurisprudência caminha nesse sentido. Em decisão emblemática, o TJ-SP (Apelação Cível nº 1001793-29.2021.8.26.0001) responsabilizou influenciadora por induzir seguidores à compra de um produto milagroso para emagrecimento, que causou reações adversas em diversos consumidores. A sentença deixou claro: “quem aufere lucro ao influenciar deve arcar com as consequências do conteúdo que propaga.”
Com o crescimento vertiginoso dos sites de apostas estimulado por campanhas publicitárias milionárias e promessas de “enriquecimento rápido”, a sociedade brasileira enfrenta hoje um problema de saúde pública. O vício em jogos online é uma condição clínica reconhecida pela OMS (CID-11), associada a ansiedade, depressão e impulsividade, com desdobramentos econômicos gravíssimos.
Dados recentes da CPI das Bets no Congresso Nacional revelaram que bilhões de reais circulam nessas plataformas, muitas das quais operam sem sede física no Brasil, sem qualquer controle fiscal, sanitário ou social. Um escândalo não só econômico, mas ético.
Segundo levantamento do Serasa (2025), mais de 72 milhões de brasileiros estão inadimplentes. Parte significativa desse número está relacionada a apostas, dívidas de cartão de crédito e empréstimos feitos para alimentar o vício em bets. O drama se agrava com denúncias de uso do Bolsa Família para apostar um auxílio que deveria garantir alimentação e dignidade básica, sendo jogado na roleta das plataformas digitais.
Esse cenário configura não apenas uma crise econômica, mas um atentado à função social do consumo, à dignidade da pessoa humana e aos pilares constitucionais da cidadania.
É urgente que o Estado assuma o controle regulatório dessas plataformas. O marco regulatório das apostas online precisa ir além da arrecadação fiscal. Deve prever:
Limites de gasto e tempo por CPF; proibição de publicidade com pessoas influentes para públicos vulneráveis (como menores de idade); imposição de cláusulas de responsabilidade
solidária entre influenciadores e plataformas; campanhas educativas sobre os riscos do jogo patológico; criação de um fundo nacional de tratamento de dependentes em jogos digitais.
Além disso, urge implantar políticas públicas de saúde financeira que incluam educação orçamentária nas escolas, campanhas de conscientização nos meios de comunicação e serviços de apoio jurídico e psicológico ao superendividado, conforme o espírito da Lei nº 14.181/2021, que alterou o CDC para tratar especificamente do superendividamento.
Não se trata apenas de apostas. Trata-se de um sistema que vicia, ilude, endivida e mata a esperança de milhões. Os influenciadores que promovem esse mercado tóxico, sem qualquer responsabilidade, estão cavando a própria cova moral — e, juridicamente, podem responder civil e criminalmente pelos danos causados.
É hora de encarar o problema com coragem. É hora de exigir responsabilidade dos que influenciam, justiça contra os que exploram, e ação do Estado contra a degradação financeira e emocional da população brasileira.
O jogo não pode continuar assim.

Por Dr. Mauro Sérgio Mota de Sousa –
Advogado, Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo.